Quando cientistas, biólogos e técnicos do Ministério do Meio Ambiente se reuniram em 2003 para apresentar a lista de espécies ameaçadas de extinção do Brasil, eles tinham algumas notícias ruins. Uma das más notícias era a certeza de que sete espécies tinham desaparecido para sempre do planeta. Estavam extintas. Entre elas, uma formiga minúscula e pouco conhecida de Ilhéus, na Bahia. Batizada de Simopelta minima, a pequena formiga não era mais vista desde 1989, e o habitat onde fora encontrada tinha sido destruído. Era o primeiro caso de uma formiga extinta pela ação humana. 

 

Quando cientistas, biólogos e técnicos do Ministério do Meio Ambiente se reuniram em 2003 para apresentar a lista de espécies ameaçadas de extinção do Brasil, eles tinham algumas notícias ruins. Uma das más notícias era a certeza de que sete espécies tinham desaparecido para sempre do planeta. Estavam extintas. Entre elas, uma formiga minúscula e pouco conhecida de Ilhéus, na Bahia. Batizada de Simopelta minima, a pequena formiga não era mais vista desde 1989, e o habitat onde fora encontrada tinha sido destruído. Era o primeiro caso de uma formiga extinta pela ação humana.

Só que não. Pouco mais de 20 anos depois do último avistamento, o Ministério do Meio Ambiente publicou, no final do ano passado, uma atualização da lista de espécies ameaçadas, e a Simopelta não constava mais como extinta. Ela passou a ser avaliada como “Dados Insuficientes”, a classificação para as espécies sobre as quais não temos conhecimento suficiente para dizer se estão ameaçadas ou não. O que aconteceu? Seria a primeira espécie a vencer a extinção? Não. Na verdade, é um ótimo exemplo de como a ciência funciona por meio de tentativa e erro, e como novas informações e evidências podem mudar o que era considerado como certo.

A Simopelta minima é uma formiga diferente, a começar pela sua principal característica: ela é “mínima”, como seu próprio nome diz. Não passa de 2,5 milímetros de comprimento. Seus hábitos também são diferentes dos da maioria das formigas. Não atacam o açúcar ou os doces de sua casa. Pelo contrário, é uma predadora, se alimentando de outras espécies de formigas ou cupins. As suas características indicam que se trata de uma formiga subterrânea. Ela tem pigmento muito pálido, provavelmente porque não precisa se defender do sol, e quase não enxerga, o que indica que vive no escuro.

Todas essas características a tornaram difícil de ser encontrada. Não por acaso que a sua descrição na ciência aconteceu apenas em 1989. O pesquisador Jacques Delabie encontrou quatro operárias em uma plantação de cacau em Ilhéus, na Bahia, e o professor Carlos Roberto Ferreira Brandão identificou que eram de uma espécie não descrita pela ciência. Logo, era uma espécie nova. O tempo passou, nenhum novo indivíduo foi coletado e a plantação de cacau deu lugar a asfalto, casas e prédios. “A formiga nunca mais foi encontrada e os pesquisadores julgaram que ela tinha sido extinta”, diz Rodrigo Feitosa, pesquisador da Universidade Federal do Paraná e um dos autores da redescoberta da espécie.

A redescoberta da formiguinha aconteceu quase por acaso. Os pesquisadores Fernando Schmidt e Ricardo Ribeiro Solar, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, estavam testando uma nova armadilha para capturar insetos subterrâneos. Uma armadilha é um mecanismo muito simples. Parece um copo de plástico com um líquido dentro, geralmente água e detergente, que preserva os corpos. As formigas andam e caem nesses copos, e são então coletadas pelos pesquisadores. Mas essa armadilha só funciona para capturar formigas de superfície. Para as do subterrâneo, eles usaram uma nova técnica. Um “copo tampado” com aberturas nas laterais por onde as formigas entram e caem no líquido preservante. Com essa técnica, capturaram vários indíviduos, que foram enviados a Feitosa para reconhecimento. Foi ali que ele identificou 11 operár ias da Simopelta minima.

Entre Ilhéus, o local da primeira identificação, e Viçosa, o da redescoberta, há mais de mil quilômetros de distância. Como uma formiguinha minúscula, e que se acreditava extinta, foi parar tão longe? A resposta é que ela pode não ser tão incomum quanto os cientistas acreditaram. “O mais provável é que ela não seja rara nem esteja ameaçada. A gente é que não sabia como encontrá-la. Foi só melhorar nossas armadilhas que as encontramos”, diz Feitosa. Para o pesquisador, é bem provável que, no subterrâneo entre a Bahia e Minas Gerais, haja uma enorme quantidade de formigas da espécie, e de possivelmente muitas outras espécies as quais ainda ignoramos.

A avaliação inicial da Simopelta minima estava errada, mas isso não é motivo de condenação. Faz parte do processo científico: quando novas informações surgem, os pesquisadores reavaliam suas hipóteses e teorias. O caso da nossa formiga é exemplar. Os cientistas escreveram um artigo científico alertando para os riscos de determinar que uma espécie é rara sem conhecer completamente sua biologia. O artigo foi um dos materiais de apoio usados pelo Ministério do Meio Ambiente para atualizar a lista de espécies ameaçadas, publicada em dezembro do ano passado. O resultado é que a história da formiguinha que não está mais extinta – junto com outros estudos e pesquisas de outras espécies – melhorou a nossa capacidade de avaliar as ameaças à nossa fauna e flora. “Hoje, a lista de espécies ameaçadas é muito mais coerente e consistente, com uma base científica muito mais sólida do que antes”, diz Feitosa.